A regra fundamental da psicanálise
- Flavia Araújo
- 22 de jul.
- 4 min de leitura
O paciente chega ao consultório com dúvidas, queixas, sofrimento e se propõe a falar sobre tais assuntos, assim como sobre sua história, laços familiares, o vizinho chato e o colega de trabalho que lhe incomoda. Pode-se dizer que o paciente está associando livremente e há uma análise acontecendo?
O método da associação livre corresponde ao que Freud chamou de regra fundamental da psicanálise, que surge com o abandono da hipnose, como o mesmo nos mostra no texto Sobre a Psicanálise (1996). Freud tinha a ideia de que seus pacientes recalcavam cenas traumáticas e que estas geravam sintomas, que com auxílio da hipnose poderiam ser trazidas para consciência. Porém, tais sintomas muitas vezes seguiam a retornar e para além disso, Freud se deparou com a dificuldade em hipnotizar alguns pacientes, nem todos conseguiam ser hipnotizados.
O autor então decide fazer de outro modo, deixando a hipnose de lado, porém mantendo alguns de seus elementos, como o divã e também incluindo falas e sons sugestivos, pedindo para que o paciente fale livremente o que lhe ocorre sem censura, ainda que a princípio aparente não lhe faça sentido, agora não mais dando ordens hipnóticas, mas utilizando da sua relação com o paciente para provocar tais lembranças. (FREUD, 1996)
Freud se dá conta que com essa regra fundamental é possível se deparar com a lógica do inconsciente, associando uma ideia a outra e percebendo que há algo se escapa e que destoa aos ouvidos do analista, dando notícias do inconsciente, como atos falhos, lapsos de memória, chistes. Se faz presente uma postura na qual se coloca enquanto diante de um saber nos próprios ditos do analisando, porém que não está dado, de prontidão. Portanto, não se trata puramente em suprimir sintomas, mas sim de poder adentrar a uma lógica. Quinet (1991), psicanalista e comentador da obra de Freud afirma a importância da associação livre para a psicanálise: “É a associação livre que marca o início da psicanálise e também o início de cada psicanálise — é o ponto em que a análise deve começar” (1991, p.9).
Quando se pensa no caso da Emmy von N. e seu pedido a Freud que não a interrompa, demonstra o inicio dessa construção da associação livre. Freud acata tal pedido e percebe que ao falar, a paciente ia recordando-se de cenas e associando-as aos seus sintomas, em alguns momentos sem ser necessário uma condução direta do analista. Pode-se refletir com esse caso também, sobre a articulação da transferencia com a associação livre, pois Freud utiliza da sua relação com a paciente para que seja possível da mesma falar livremente, utilizando da sua presença e interpretação, deixando um pouco de lado a hipnose e sugestão. (FREUD, 1996)
No seu texto Recordar, Repetir e Elaborar (1914), Freud busca sintetizar referente a técnica da psicanalise. O autor coloca sobre esses três momentos como algo necessário numa análise, falando então sobre como quando não nos lembramos de algo, a tendencia seria repetir. Essa tendencia a repetição, Freud traz nesse momento como sendo uma tentativa de elaboração. É justamente com amparo da associação livre que se é possível relembrar de cenas quais não se faziam presentes e que se dá através da fala endereçada ao analista.
Freud em seu texto "Recomendações ao médico que pratica psicanálise" (1912), busca demonstrar em alguns tópicos algumas técnicas da prática com psicanálise. Freud inicia o primeiro tópico comentando acerca da dificuldade de reter tantas informações e de diversos pacientes, por um longo período de tempo e como não confundir com materiais semelhantes de outros pacientes. Para essa problemática Freud nos apresenta uma técnica, que ele coloca como simples e que rejeita qualquer tarefa, ou tomar notas, e como Freud coloca: “apenas em não querer notar nada especial, e oferecer a tudo o que se ouve a mesma atenção flutuante” (FREUD, 1912, p. 149).
Freud traz enquanto função do analisa uma escuta que flutua, fazendo menção a ideia da necessidade de não cair no modo de comunicação cotidiana, na qual se escolhe fragmentos do que uma pessoa disse para também comentar, escutando apenas partes. O autor traz da necessidade de não voltar a atenção ao que a pessoa quer dizer, mas sim no que ela diz. Cotidianamente, voltamos nosso ouvido para captar o que a pessoa quer dizer, os detalhes contextuais por vezes não nos importam, os equívocos que se comete também não, pois estamos interessados em fechar uma mensagem. Freud traz sobre poder também se voltar para os detalhes que no dia a dia são tratados como aparentemente irrelevantes.(FREUD, 1912)
Muitas vezes se tem uma ideia de associação livre e atenção flutuante enquanto uma cena onde o paciente fala sem grandes interferências do analista, que aguarda surgir algum material interessante para o trabalho de uma psicanálise. A escuta flutuante não se trata de uma escuta passiva, mas sim uma técnica que possibilite ler o que está sendo dito nas entrelinhas, ler o que escapa, o que está para além do que está sendo propriamente dito. Quando nos propomos a pensar que não há trabalho outro que não o de mexer no discurso, conduzindo o caso e apontando a direção do tratamento, cabe pensar qual seria a possibilidade de uma análise acontecer, se não há um encaminhamento por parte do analista para que haja uma associação livre, trabalhando com discurso que lhe é apresentado.
REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund. Estudos sobre a histeria. Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v.2, 1996.
FREUD, Sigmund. Cinco lições de psicanálise. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
FREUD, Sigmund. Sobre a psicanálise. S. Freud, Obras completas, v. 12, 1996.
FREUD, Sigmund. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. Edição
standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 12, p. 121-
133, 1912.
FREUD, Sigmund. Recordar, repetir e elaborar. Obras completas, v. 12, p. 145-157, 1914.
QUINET, Antonio. As 4+ 1 condições da análise. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 1991.

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